Saiba em que circunstâncias o enfermeiro deve solicitar o horário de trabalho flexível.
Em que circunstâncias deve o enfermeiro com contrato de trabalho (aplicável também aos que têm um vínculo de trabalho em funções públicas) solicitar o horário flexível? Em que consiste? Quais os procedimentos que deve efetuar? E se, porventura, o hospital ou a clínica recusar a fixação de um horário flexível, como é que ele deve reagir? São estas as questões que procuramos responder aqui.
O horário flexível do enfermeiro com responsabilidades familiares
Imagine que acabou de ser pai ou mãe. Ou imagine que tem um filho com uma deficiência. Quer num caso quer no outro era conveniente para a sua organização familiar que o seu horário fosse adaptado às necessidades da família. Ora, este horário designa-se por horário flexível.
De acordo com artigo 56.º do Código do Trabalho, o horário flexível é aquele que é escolhido pelo trabalhador, dentro de certos limites. Na prática, significa que o trabalhador pode escolher as horas de início e de termo do período normal de trabalho diário.
Com o horário flexível, o enfermeiro pode trabalhar até seis horas consecutivas, e até 10 horas de trabalho em cada dia. No final do mês (média de quatro semanas) este conjunto de horas semanais deve perfazer uma média que corresponda a 35 horas por semana.
O enfermeiro com um horário flexível não pode ser penalizado em matéria de avaliação e de progressão na carreira assim como em matéria salarial. Se o seu hospital ou clínica infringir estas regras, encontra-se sujeita uma contraordenação grave.
Todo o pessoal do hospital tem direito a este horário?
Como já referimos, a lei estabelece certos requisitos para que o funcionário tenho direito a este horário flexível. Apenas os trabalhadores com filhos menores de 12 anos bem como com filhos com deficiência ou doença crónica, independentemente da idade, é que têm direito a um horário flexível.
Como solicitar o horário flexível?
A solicitação para obter um horário flexível não tem formalismos de maior. Basta que seja uma comunicação escrita dirigida ao órgão dirigente do hospital ou clínica alegando que pretende ter um horário flexível e justificando esse pedido com a fundamentação que a lei estabelece (trabalhadores com filhos menores de 12 anos bem como com filhos com deficiência ou doença crónica, independentemente da idade). Tome nota que este direito pode ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos.
Tenha em atenção que tem sempre de efetuar este pedido com 30 dias de antecedência a contar da data em que pretende que esse horário se inicie.
A carta deve indicar:
- A sua identificação completa, funções e categoria profissional;
- Declaração da Junta de Freguesia em como o seu filho vive juntamente com o seu agregado familiar.
- O horário que pretende cumprir, que deve estar sempre compreendido entre o início e o termo das atividades do hospital ou da clínica.
Depois, deve assinar a carta e remetê-la por correio registado com aviso de receção.
Como é que a entidade patronal define o horário flexível?
O hospital ou clínica deve responder com o horário flexível que aprovou e deve:
- Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;
- Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário. Cada período não pode ter uma duração inferior a um terço do período normal de trabalho diário. Esta duração pode ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;
- Estabelecer um período para intervalo de descanso. Este período não ser superior a duas horas.
A entidade patronal deve responder no prazo de 20 dias. Se essa resposta não ocorrer, o legislador entende que o pedido foi aceite.
Além disso, também se considera que o hospital ou clínica aceitou o pedido do trabalhador quando:
- sendo comunicado a intenção de recusar o pedido, não informa o trabalhador da decisão sobre o mesmo nos cinco dias subsequentes à notificação proferida pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres;
- se não submeter o processo à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro do prazo de cinco dias.
Situações em que o hospital ou clínica recusa o pedido de horário flexível?
O hospital ou clínica apenas pode recusar o pedido de horário flexível desde que fundamentado em exigências imperiosas do funcionamento ou caso seja impossível substituir o trabalhador, se este for indispensável. A sua decisão tem de ser sempre fundamentada.
Se essa situação ocorrer, o trabalhador pode responder no prazo de cinco dias úteis. Nessa situação, o hospital ou clínica deve enviar, também no prazo de cinco dias, o processo para a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE).
Se o CITE não concordar com a decisão do hospital ou da clínica, esta só pode recusar o pedido após decisão judicial. Nesta altura, será o tribunal que irá reconhecer ou não a fundamentação do pedido.
Excerto de um Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo sobre o procedimento do horário flexível
Uma enfermeira requereu em 24 de novembro de 2015, ao abrigo do artigo 57.º do Código do Trabalho (aplicável ex vi do artigo 4.º, n.º 1, als. e) e h) da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), que fosse autorizada a trabalhar em regime de horário flexível (artigo 56.º do Código do Trabalho), a fixar pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E. (CHUC), nos dias úteis, ou seja, de Segunda a Sexta-feira, das oito às dezasseis horas. Fundamentou o seu pedido no facto de ser o único elemento do seu agregado familiar que cuida do filho de 23 meses, não ter apoio familiar para o efeito e apenas dispor do apoio da creche, que se encontra encerrada aos fins de semana.
A Entidade Empregadora recusou o pedido na parte respeitante à não prestação de trabalho aos fins de semana. Para tanto, alegou a necessidade de conciliar o direito da Requerente à conciliação da vida pessoal e profissional com o mesmo direito das restantes trabalhadoras do serviço e com a obrigação de assegurar o funcionamento do referido serviço de UGI, que é um serviço permanente (24h por dia, todos os dias do ano) de prestação de cuidados de saúde aos cidadãos.
Uma vez que o referido indeferimento parcial consubstanciava uma “recusa” do que havia sido solicitado pela Requerente, foi a mesma notificada da decisão para responder e, posteriormente, em cumprimento do disposto no n.º 5 do artigo 57.º do Código do Trabalho, foi o processo enviado para parecer pela CITE.
No seu parecer, a CITE considerou que a recusa não estava devidamente fundamentada, uma vez que a recusa teria de sustentar-se no disposto no n.º 2 do artigo 57.º do CT, ou seja, “em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável”.
É nesse seguimento que o Hospital propõe a presente acção no TAF de Coimbra, com o intuito de obter, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 56.º do Código do Trabalho, uma decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo da recusa.