O assédio moral no local de trabalho, constitui uma grave violação dos direitos fundamentais do trabalhador, atentando contra a sua dignidade, integridade psicológica e saúde. Este fenómeno insidioso manifesta-se através de comportamentos abusivos, repetitivos e prolongados, que visam desestabilizar emocionalmente a pessoa, isolá-la do seu ambiente profissional e, em última instância, forçá-la a abandonar o emprego.
Em Portugal, apesar de não existir uma legislação específica que tipifique o assédio moral como crime autónomo, a sua prática é amplamente reprovada e encontra proteção jurídica em diversos diplomas legais, nomeadamente no Código do Trabalho, na Constituição da República Portuguesa e no Código Penal.
A identificação precoce do assédio moral é crucial para mitigar os seus efeitos nefastos na saúde física e mental da vítima, bem como no clima organizacional da empresa. Compreender as suas diversas formas de manifestação, os agentes envolvidos e os impactos psicossociais é o primeiro passo para uma intervenção eficaz.
1. Definição e Caraterísticas do Assédio Moral no Trabalho
O assédio moral no trabalho pode ser definido como um conjunto de comportamentos hostis, repetitivos e prolongados, dirigidos a um ou mais trabalhadores por parte de superiores hierárquicos, colegas ou subordinados, com o objetivo ou o efeito de degradar as condições de trabalho da vítima, atentar contra a sua dignidade, isolá-la socialmente e prejudicar a sua saúde física e mental.
Para que uma situação seja caraterizada como assédio moral, é fundamental a presença de alguns elementos distintivos:
- Repetição e Sistematicidade: Os comportamentos abusivos não são episódios isolados, mas sim ações reiteradas e metódicas ao longo do tempo. A persistência e a frequência das condutas são elementos chave para distinguir o assédio moral de conflitos interpessoais pontuais ou de situações de stress laboral inerentes à atividade profissional.
- Intencionalidade (Controvertida): Embora a doutrina e a jurisprudência não sejam unânimes quanto à necessidade de comprovar a intenção deliberada do assediador de prejudicar a vítima, a maioria dos autores concorda que o foco deve recair sobre os efeitos dos comportamentos na vítima. A intencionalidade pode ser difícil de provar, mas a natureza sistemática e hostil das ações sugere, frequentemente, um propósito de desestabilização.
- Desequilíbrio de Poder: O assédio moral frequentemente ocorre em contextos de desequilíbrio de poder, seja hierárquico (superior para subordinado), funcional (colega com maior influência) ou até mesmo numérico (vários assediadores contra uma vítima). Este desequilíbrio facilita a perpetuação dos comportamentos abusivos e dificulta a capacidade de reação da vítima.
- Impacto na Vítima: O assédio moral tem um impacto significativo na saúde física e mental da vítima, podendo desencadear sintomas como ansiedade, depressão, insónia, fadiga crónica, problemas gastrointestinais, isolamento social, baixa autoestima e, em casos extremos, ideação suicida. Afeta também o seu desempenho profissional, a sua motivação e a sua capacidade de concentração.
- Objetivo de Desestabilização: O objetivo final do assédio moral é, muitas vezes, forçar a vítima a abandonar o emprego, seja por exaustão psicológica, por humilhação constante ou por isolamento profissional.
2. Formas de Manifestação do Assédio Moral
O assédio moral pode manifestar-se de diversas formas, muitas vezes combinadas e progressivas. É importante estar atento a uma ampla gama de comportamentos abusivos, que podem ser categorizados da seguinte forma:
- Ataques à Dignidade e Reputação:
- Humilhações públicas ou privadas.
- Comentários depreciativos sobre a aparência, a vida pessoal ou as capacidades profissionais.
- Ridicularização, sarcasmo e ironia constantes.
- Difamação e propagação de boatos maliciosos.
- Insultos e linguagem ofensiva.
- Imitação vexatória.
- Isolamento Social e Profissional:
- Exclusão de reuniões, eventos sociais ou informações relevantes.
- Ignorar a presença ou as opiniões da vítima.
- Interromper constantemente a sua fala.
- Proibir colegas de comunicar com a vítima.
- Transferências injustificadas para locais isolados ou funções desmotivadoras.
- Ataques à Realização do Trabalho:
- Atribuição de tarefas impossíveis de cumprir ou prazos irrealistas.
- Retirar tarefas significativas ou responsabilidades importantes.
- Atribuição de tarefas degradantes ou abaixo da qualificação profissional.
- Sabotagem do trabalho da vítima (ocultar informações, atrasar materiais, etc.).
- Avaliações de desempenho injustas e negativas.
- Excesso de críticas e controlo exagerado.
- Violência Física (Rara, mas Possível):
- Embora menos comum, o assédio moral pode, em casos extremos, envolver agressões físicas ou ameaças de violência física.
É crucial notar que atos isolados de má gestão, conflitos interpessoais esporádicos ou exigências razoáveis inerentes à função não configuram, por si só, assédio moral. A repetição, a sistematicidade e o objetivo de desestabilização são elementos diferenciadores. Compreender a dinâmica do poder e a pluralidade de agentes envolvidos é fundamental para uma análise completa do fenómeno.
3. Como Identificar o Assédio Moral
A identificação do assédio moral exige atenção e sensibilidade por parte de todos os intervenientes no ambiente de trabalho: vítimas, colegas, superiores hierárquicos e representantes dos trabalhadores. Alguns sinais de alerta podem indicar a ocorrência de assédio moral:
- Alterações no Comportamento da Vítima: Isolamento, tristeza, irritabilidade, ansiedade, medo de ir trabalhar, queixas frequentes de saúde, diminuição do desempenho profissional.
- Comportamentos Abusivos Repetidos: Humilhações, críticas excessivas, isolamento, atribuição de tarefas desproporcionais ou degradantes, sabotagem do trabalho.
- Discrepância entre o Tratamento da Vítima e dos Outros Colegas: A vítima é alvo de comportamentos negativos que não são dirigidos aos demais trabalhadores.
- Justificações Insuficientes para os Comportamentos: As explicações dadas para as ações hostis são vagas, inconsistentes ou inexistentes.
- Escalada Progressiva dos Comportamentos: As ações abusivas tendem a intensificar-se ao longo do tempo.
É importante salientar que a perceção da vítima é um elemento central na identificação do assédio moral. Se um trabalhador se sente consistentemente humilhado, desrespeitado ou intimidado no seu ambiente de trabalho, essa perceção deve ser levada a sério e investigada.
4. O Que Fazer em Caso de Assédio Moral
Para a vítima de assédio moral, é fundamental adotar uma postura ativa e procurar ajuda para interromper a situação abusiva e proteger os seus direitos. As seguintes medidas podem ser tomadas:
- Reconhecer e Nomear o Assédio: O primeiro passo é identificar os comportamentos como assédio moral e não normalizar a situação. Dar um nome ao problema é o início da busca por soluções.
- Documentar os Incidentes: Manter um registo detalhado de todas as ocorrências de assédio, incluindo datas, horas, locais, pessoas envolvidas, testemunhas e o conteúdo das conversas ou ações. Guardar cópias de e-mails, mensagens, avaliações de desempenho e outros documentos relevantes. Esta documentação será crucial para apresentar queixas ou iniciar processos legais.
- Comunicar a Situação:
- Informalmente: Se sentir seguro para o fazer, a vítima pode tentar comunicar diretamente com o assediador, expressando o seu desconforto e pedindo para que os comportamentos cessem. No entanto, esta abordagem pode ser arriscada e nem sempre é eficaz.
- Formalmente (Internamente): Informar a chefia direta, o departamento de recursos humanos ou os representantes dos trabalhadores sobre a situação de assédio. A empresa tem a obrigação de investigar as denúncias e tomar medidas para proteger a vítima e sancionar o assediador.
- Procurar Apoio:
- Colegas de Trabalho: Partilhar a situação com colegas de confiança pode proporcionar apoio emocional e, eventualmente, obter testemunhos.
- Familiares e Amigos: O apoio emocional da rede social é fundamental para lidar com o stress e a angústia causados pelo assédio.
- Profissionais de Saúde Mental: Psicólogos e psiquiatras podem ajudar a vítima a lidar com os impactos emocionais do assédio e a desenvolver estratégias de coping.
- Sindicatos: Os sindicatos podem oferecer apoio jurídico e orientação sobre os direitos do trabalhador.
- Advogados: Um advogado especializado em direito do trabalho pode aconselhar a vítima sobre as opções legais disponíveis e representá-la em eventuais ações judiciais.
- Apresentar Queixa:
- Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT): A ACT é o organismo público responsável por fiscalizar o cumprimento da legislação laboral e pode ser acionada para investigar situações de assédio moral.
- Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE): A CITE é um organismo independente que promove a igualdade e combate a discriminação no trabalho, podendo também intervir em casos de assédio moral com base em motivos discriminatórios.
- Tribunais do Trabalho: A vítima pode intentar uma ação judicial contra o assediador e/ou a empresa, solicitando indemnização por danos morais e materiais.
- Considerar a Rescisão do Contrato de Trabalho com Justa Causa: Em situações graves de assédio moral, o trabalhador pode ter o direito de rescindir o contrato de trabalho com justa causa, invocando o incumprimento grave das obrigações do empregador (nomeadamente o dever de proporcionar um ambiente de trabalho seguro e saudável). Esta decisão deve ser tomada com aconselhamento jurídico.
É importante lembrar que a vítima não está sozinha e existem mecanismos legais e de apoio disponíveis para a proteger.
5. O Empregador
O empregador tem um papel fundamental na prevenção e na gestão de situações de assédio moral no ambiente de trabalho. A inação do empregador perante situações de assédio moral pode acarretar responsabilidade civil e criminal, além de prejudicar gravemente o ambiente de trabalho e a reputação da empresa.
Em suma, o assédio moral no local de trabalho representa uma afronta inaceitável à dignidade humana e aos direitos laborais. A sua natureza insidiosa e os seus efeitos deletérios exigem uma vigilância constante e uma ação concertada por parte de todos os intervenientes no mundo do trabalho. Embora a legislação portuguesa não consagre uma tipificação penal autónoma para o assédio moral, o ordenamento jurídico oferece diversos instrumentos para proteger as vítimas e responsabilizar os agressores e as entidades empregadoras negligentes. A identificação precoce, a documentação rigorosa e a busca por apoio são passos cruciais para a vítima romper o ciclo de violência.
Paralelamente, incumbe ao empregador um papel proativo na implementação de políticas de prevenção, na criação de canais de denúncia seguros e na investigação célere e imparcial de todas as alegações, promovendo assim um ambiente de trabalho verdadeiramente respeitoso, seguro e saudável para todos.
A erradicação do assédio moral é um imperativo ético e legal, essencial para a construção de um tecido laboral mais justo e humano.