Assédio Laboral – Empresa Condenada Pelo Supremo Tribunal de Justiça a Indemnizar Trabalhador em 350 mil euros
A síntese do tribunal quanto ao assédio
Para o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido a 15 de dezembro de 2022, constitui assédio, proibido por lei, a conduta do empregador que introduz alterações funcionais de que o trabalhador com funções de direção só tem conhecimento por terceiros estranhos à empresa, mantém-lhe uma carga excessiva de trabalho, não o convida, sem qualquer justificação, para um almoço da direção, afirma, numa reunião de direção, com intenção comprovada de humilhar o trabalhador e de o afetar na sua dignidade que o trabalhador age de má fé e tem um grande ego, entre outros comportamentos.
O assédio é justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador.
A resolução do contrato pelo trabalhador origina um dever da entidade patronal de o indemnizar num montante a determinar entre entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
Foi na sequência desta norma legal que a indemnização foi fixada num montante de cerca de 267 mil euros. O remanescente da indemnização resultou de outras motivações.
Exemplos de situações qualificadas como assédio
Para os tribunais, esta afirmação foi configurada como assédio:
Afirmação de um administrador ao trabalhador, com a intenção de o humilhar, intimidar, perturbar, ofender e/ou afetar a sua dignidade : “vocês têm a mania que são doutores, deviam ouvir muito mais as pessoas”
Afirmações violadoras dos deveres de respeito e urbanidade e que, por isso, isoladamente e em abstrato, são suscetíveis de integrar a figura do mobbing e de consubstanciar violação culposa das garantias legais do trabalhador e constituir justa causa de despedimento:
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- “Alguém lhe tinha pedido para fazer uma avaliação” e “tinha estado a ocupar o seu tempo profissional com aquilo”;
- “era uma prova real de má-fé e ego”, “tinha o ego muito elevado”, “até já tinha alterado a assinatura do email, não fosse ele a intervir”;
- “tinha de ver se o seu ego aguentava passar a ser subordinado da direção financeira”.
As situações mencionadas foram valoradas pelo tribunal, apesar de se entender que o trabalhador e o administrador da empresa eram amigos, pois:
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- tinham uma relação muito próxima há mais de 20 anos, são amigos e confiavam um no outro;
- tratam-se por tu;
- passam férias juntos;
- o trabalhador era convidado para as festas de aniversário do administrador da empresa;
- tinham entre si uma linguagem livre;
- o trabalhador era o “braço direito” do administrador
- tinham inúmeras reuniões, mesmo durante o período referido neste processo os dois têm a personalidades fortes e lutam pelas suas convicções
- discutem quando é necessário, mas isso nunca criou obstáculos inultrapassáveis entre os dois
- os eventuais desentendimentos acabavam sempre com um almoço
- o trabalhador sempre conheceu caráter frontal e sem ressentimentos do administrador da empresa
Conclusão
O trabalhador exercia funções de direção e mesmo de alta direção. Trata-se de cargos de confiança, sendo que o desempenho de tais funções está frequentemente associado a tensão, conflito e competição.
O empregador tem, no exercício dos seus poderes de direção e de organização da empresa, a liberdade de, a qualquer momento proceder a restruturações com novas distribuições de funções, criação de novos cargos e supressão de outros, introdução de novos níveis de chefia, centralização ou descentralização, bem como, em geral, de alterar o seu estilo de gestão que pode ser mais ou menos assertivo da sua autoridade.
No entanto, tais transformações, em si mesmas lícitas, devem ocorrer com respeitos dos direitos dos trabalhadores e da sua dignidade e sem que, designadamente, se traduzam em situações de assédio. Com efeito, a proibição do assédio (artigo 29.º n.º 1 do CT) abrange também, evidentemente, os trabalhadores que exercem cargos de direção.
A nossa lei define o assédio como “o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”
Sublinhe-se que resulta da noção que o assédio pode bastar-se com a criação da situação referida, mesmo sem que haja ou tenha sido provada a intenção assediante, como poderá suceder em certas situações designadas, por vezes, de assédio organizacional. Mas no caso vertente não há necessidade de discutir a questão porquanto da matéria de facto dada como provada nas instâncias consta em alguns episódios como provada a intenção de humilhar o trabalhador
Falamos em alguns episódios, porquanto a decisão se refere a episódios (onze no total…), mas o interesse da figura do assédio é o de permitir uma visão de conjunto e não fragmentada. O assédio é um procedimento normalmente continuado no tempo – ainda que a lei não exija uma duração mínima – cujo sentido só se apreende na totalidade com uma visão integrada do que sucedeu.
Certas condutas isoladas podem não parecer graves ou até carecer de relevância, mas ganham um outro significado com uma visão que as trata como um conjunto, um todo em que as várias partes componentes se completam e potenciam o seu sentido. E daí não irmos proceder a uma análise segmento a segmento da conduta do empregador no caso dos autos.
Verifica-se que o trabalhador soube, por vezes, por terceiros de modificações organizacionais da empresa que o afetavam diretamente, mas das quais não houve sequer o cuidado de o informar previamente.
Um outro trabalhador é contratado para o desempenho de uma função que constituía o essencial da sua atividade.
Na sequência da morte súbita de um colaborador próximo passa a ter um significativo acréscimo de trabalho, mas apesar das suas queixas mantêm-lhe essa carga acrescida de trabalho.
A pedido de outro diretor, pedido este com caráter de urgência, toma medidas para contratar um técnico e propõe um nome sabendo da existência de uma política da empresa de não contratar, em princípio, trabalhadores de fornecedores, tendo o cuidado de informar a administração dessa circunstância, mas já em férias é instado a explicar-se.
Convocam-se almoços de direção para os quais sem qualquer explicação não é convidado.
Em reuniões com os seus pares é publicamente acusado de “má fé” e de ego muito elevado.
Algumas das afirmações feitas por um dos diretores executivos tiveram o propósito de humilhar o Autor.
Tais condutas ultrapassam em muito a frontalidade, traduzindo-se em violações graves do dever de respeito e urbanidade que também o empregador deve ter para com os trabalhadores (artigo 127.º, n.º 1, alínea a) do CT) e da boa fé que deve presidir à execução do contrato de trabalho (artigo 126.º n.º 1 do CT) e repercutiram-se em graves danos à saúde do trabalhador, também eles comprovados.
Sublinhe-se que sendo o assédio um facto continuado que se pode prolongar por muitos meses (ou até anos) a caducidade só se deve contar a partir do último facto que o integra.
Por outro lado, o assédio não é afastado porque outrora assediante e vítima foram amigos. Alguns dirão que os amigos nos merecem ainda mais respeito, mas, seja como forma, a amizade passada não é justificação, nem desculpa para a violação da dignidade alheia.
Há, por conseguinte, que concluir pela existência de justa causa para a resolução do contrato pelo trabalhador tendo-se verificado a violação culposa dos seus direitos e não lhe sendo exigível a continuação da relação laboral, até pelo prejuízo que tal relação laboral estava a causar ao trabalhador em termos de saúde.
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